“When the ‘Quantum of Solace’ drops to zero, humanity and consideration of one human for another is gone.”
Me intriga saber que 007 – Quantum of Solace é considerado pela crítica e público um dos filmes mais fracos do James Bond. O problema talvez não resida na crítica ao estilo da ação, desenfreada, sem ritmo, rechaçada de cortes rápidos que te deixam meio perdido no tempo-espaço do filme – e por um lado algumas destas são o que colocam o filme no cenário representativo do cinema digital atual -, que são até compreensíveis, mas nas inúmeras reclamações quanto o molde da personagem do Daniel Craig.
Me parece que mesmo após mais de vinte filmes da série 007, as pessoas insistem em revigorar o mesmo tipo de personagem, o intocável e charmoso james bond do Sean Connery, um romântico espião que come todas e não dá margem pra qualquer tipo de estudo mais aprofundado da personagem. Quando finalmente surge um 007 mais humano, vulnerável, brutal e irônico, os críticos conservadores metralham que o charme de James Bond foi pelo ralo, sem ao menos saber – ou então saber e ignorar – que a personagem do Craig é o mais próximo que qualquer outro ator já conseguiu chegar do espião idealizado na literatura por Ian Fleming.
O charme do novo James Bond é seu humanismo e seu conflito com a própria identidade. Como se sabe, Quantum of Solace é como uma continuação do ótimo Cassino Royale, que foi o filme que deu início a essa (r)evolução na série. Após a morte de Vésper, femme fatale que amou e o traiu, Bond entra num impasse: enquanto vai atrás dos responsáveis pela morte de sua amada, motivado tão somente pela vingança (que é afinal das contas o sentimento mais belo do Cinema), deve não se envolver emocionalmente com mais ninguém, para evitar que outras tragédias similares ao que aconteceu com Vesper aconteçam. Isso já rebate todas às críticas a personagem da bondgirl da Olga Kurylenko: uma vez que existe uma aproximação entre ela e James, indiciada no desejo similar de matar para vingar a morte de alguém querido e evidenciada no abraço entre os dois durante o incêndio no quartel do ditador boliviano, não deve haver mais do que um beijo de despedida entre os dois; qualquer tipo de relação seria perigosa e contraditória aos métodos de cada um. Assim, Bond a observa indo embora enquanto sua expressão revela a tristeza de quem está preso a um mundo de solidão e frieza.
Outras críticas apontam para o vilão de Mathieu Amalric – provavelmente o maior ator da atualidade-, que não seria, no caso, tão interessante e tampouco memorável quanto outros vilões da série. Porém, o que há de mais incrível neste vilão é que ele não precisa de muito para ser atormentador e genial: por trás da pequena estatura de Amalric se esconde uma gigante rede terrorista que se abriga sob falsos pretextos atrás de entidades ecológicas que prometem inúmeras demagogias políticas e sociais – o que metaforiza essas grandes empresas biodegradáveis com discursos bem intencionados capazes de iludir e manipular facilmente países subdesenvolvidos como a Bolívia. Amalric tem o poder do discurso, do populismo e do terrorismo. É um vilão sem grandes atrativos grandiloquentes e planos incrivelmente elaborados, frio e sarcástico nas proporções ideais do humanismo ao qual o filme se propõe.
As várias sequências que intercalam dois espaços diferentes, ou sobrepõem os diálogos de uma personagem sobre outras cenas, cujo som e edição demonstram um incrível apuro técnico, por si só fazem valer o filme, ainda que seu principal atrativo – incompreensivelmente criticado – seja o trabalho psicológico ao qual Bond é submetido. A última cena, quando o espião diz que vai continuar trabalhando na MI-6 e logo depois joga o colar de Vésper na neve, representa tudo aquilo que ele vinha procurando ao longo das quase duas horas de filme: nosso james bond soube, então, priorizar os outros enquanto caminha conscientemente para a solidão de seu trabalho. Ele já não é mais capaz de se envolver emocionalmente com ninguém, pois teme machuca-lo(a). A partir de então, o quantum of solace de James Bond é finalmente zerado, e o assassino de sangue frio e estável está, então, moldado.